segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A METAFÍSICA QUADRICULADA


As pessoas normais brincam com vários jogos de linguagem: jogos de poder, de amor, de saber, de prazer, etc. Isso ocorre porque a vida não é uma coisa única, isolada. Ela é um torneio de jogos diversos acontecendo ao mesmo tempo.

É a prática desses jogos que são responsáveis pela formação da verdadeira inteligência. Mas quanto se tem uma cabeça voltada para um só tipo de jogo, embora chegando à primazia e destreza , perde-se tudo sobre a verdade da vida. É como se fosse um computador de um só HD, e HDs não são linguagens.

O homem, mais inteligente que os computadores, tem a capacidade de usar ao mesmo tempo muitos HDs, sem no entanto 'dar pau'. Consegue passar de um software para outro sem sequer apertar um só botão. Simplesmente pula, salta, como um cavalo selvagem – não aquele do jogo de xadrez que só pula quando necessário em função da estratégia do enxadrista.

Ser inteligente é ter a capacidade de pular de um software para outro, a capacidade de bailar muitas danças ao mesmo tempo.

Existem pessoas que só conhecem a lógica do xadrez. São 'inteligências' que não sabem pular. Só marcham. Há muitos anos atrás, um filósofo chamado Herbert Marcuse escreveu um livro com o título de O homem unidimensional - o homem que se especializa numa única linguagem e só vê o mundo através dela. Para este tipo de homem, o mundo é só aquilo que as redes da sua linguagem conseguem capturar. O resto é resto e não existe.

A ciência tem similaridades ao xadrez, pois é um jogo com regras específicas, onde não se admite, por exemplo, o uso de regras alheias as dele, e detalhe: não se permite o suicídio.

Thomas Kuhn, em obra intitulada Estrutura das Revoluções Científicas, ensina que os cientistas fazem ciência pelos mesmos motivos que os jogadores de xadrez jogam: querem provar que são “grandes mestres”.

O problema é que os pretendentes ao título de “grande mestre” vão refinando sua área de conhecimento, 'conhecendo cada vez mais de cada vez menos'. Se de um lado conseguem expandir o “software” de linguagem científica, os outros “softwares” vão se atrofiando. Por inatividade.

Eis que surge o homem unidimensional: vista acurada só capaz de vislumbrar sua caverna – totalmente cego em relação ao que ocorre fora do foco do contexto do seu 'jogo' predileto. Sua linguagem é eficaz para capturar objetos físicos, mas totalmente incapaz de capturar relações afetivas. Uma visão atrofiada, como se o mundo fosse construído apenas de objetos.

Para esse tipo de jogador, as pessoas são como peões, torres, bispos, rainhas e cavalos, cada qual com um valor específico e utilizado com um só propósito que é o de proteger o rei, que nesse caso é ele mesmo e seus interesses.

A técnica do xadrez, como a ciência, é boa - dentro dos seus limites e regras precisas. Quando transformada por analogia na única linguagem para se conhecer o mundo e conviver com o próximo, ela pode produzir cegueira, prepotência, dogmatismo e, inevitavelmente um emburrecimento disfarçado de inteligência, pois, na realidade, a verdadeira inteligência do homem é construída ao longo dos anos, a partir de uma vivência afetiva equilibrada.

Uma coisa não se pode negar: a vida realmente é um jogo, mas não de tabuleiro, é o jogo da interação com o ambiente familiar e sociocultural, onde a regra é a linguagem múltipla.

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