quinta-feira, 2 de julho de 2009

Reflexão crítica sobre o sistema econômico vigente e o meio ambiente


Passamos por um período de transição pragmática tanto no plano epistemológico como societal, e em particular, com relação a este último, só o tempo poderá nos dizer se os resultados serão melhores ou não.

Questões como governança e desenvolvimento sustentável embora inseridas no contexto de política ambiental ou política do meio ambiente, são tão complexas como o próprio tema ao qual fazem parte. A confusão é tamanha que quando se fala em ciências do ambiente somente se pensa em ecologia, quando na realidade deve ser tratado de forma mais ampla, dentro de uma visão social mais completa inserindo atenções a várias outras ciências como antropologia, economia, política, direito, etc.

A participação de novos atores não governamentais para o sucesso e primazia da governança fica em xeque quando se percebe interesses políticos partidários e econômicos manipulando-os. Já com relação a sustentabilidade, como podemos desenvolver uma economia de forma qualitativa ao invés de quantitativa, diante de tanta desigualdade sócio-econômica? O modelo global imposto ao mundo após ‘a queda do muro de Berlin’, seja por meio da comunicação ou economia, foi um facilitador para ‘esparramar’ a tradição ocidental que na sua essência coloca o homem no centro do universo, medida de todas as coisas, na consagrada expressão ‘protagoriana’, amante da precisão e da propriedade de definições e conceitos.

O atual modelo globalizador vem conseguindo corroer até mesmo culturas milenares cuja atitude conceitual refratária e concepções mais harmônicas até pouco tempo eram predominantes. Em função de um ilusionismo conceitual de que o homem se coloca no centro de tudo e não no centro de uma vida particular e através do paradigma mecanicista e dualista dominante, a natureza está em apartado do ser humano, e entender o paradigma holístico qual faz parte o tema é bastante complexo.

Mesmo dentro do próprio ambientalismo holístico encontra-se dicotomias: de um lado os mais conservadores defendendo um ambientalismo pouco profundo, onde a proteção ambiental decorre do fato de que a natureza tem valor instrumental para nós, seres humanos, uma corrente dominante com base no antropocentrismo; no embate, outra corrente com base no biocentrismo que reconhece direitos intrínsecos à própria natureza, hostilizando o pragmatismo de matiz humanista.

O homem no longo de sua existência consolidou a idéia de que a natureza existe para ser dominada e não conservada, chegamos ao ápice de uma sociedade moldada sobre uma filosofia visando o ‘ter’ ao invés do ‘ser’, cuja necessária racionalidade coletiva é difícil de ser implementada.

O imediatismo alavancado pelo capitalismo, alicerçado em um consumismo frenético afetou até mesmo o campo das ciências e tecnologias. Segundo a grande maioria dos estudiosos sobre a relação entre economia e meio ambiente, uma das formas de se atingir a sustentabilidade seria a distribuição homogênia das tecnologias. Mas qual tecnologia? Se ela própria é criada e disseminada de forma irresponsável e aética e teve sua parcela de culpa no atual caos ambiental. Atualmente aplica-se uma ‘ciência sem consciência’ , que não leva em conta o sagrado princípio da precaução, só objetivando o lucro imediato.

Como implantar a participação e o cooperativismo social necessário para a necessária governança do século XXI em nosso país se o principal protagonista, a população, não conta com uma educação voltada para o pensar a realidade do nosso presente?

Governança e meio ambiente – fragmentos históricos


O termo governança surge em contradição dos modelos políticos tradicionais, despertando para o fato de que a Natureza não mais deve ser um bem gratuito e substituível, com capacidade de regeneração.

Historicamente, o termo governança veio se consolidando através de conferências de cúpula organizada pelas Nações Unidas (Estocolmo, 1972; Rio de Janeiro, 1992 e Joanesburgo, em 2002). Tendo como marco definitivo a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, em 1995, como objetivo de traçar um modelo capaz de garantir melhor qualidade de vida para as gerações do século XXI. O termo governança, a partir daí vai se consolidando como diferencial deste terceiro milênio, enfatizando que estamos descobrindo uma nova maneira de governar e de fazer política, e com as cinco grandes conferencia das Nações Unidas, realizadas na década de 90, uma nova dimensão de governança começa a surgir, visando o fortalecimento da arte e capacidade de governar fora dos padrões até então seguidos.

A falência gradual do Estado em gerir os problemas sociais do novo milênio culmina na necessidade de se estabelecer um novo modelo de governo, sem burocracias e com uma maior participação da sociedade civil organizada. O surgimento de um planejamento estratégico e de um novo processo participativo deve suprir o atual modelo econômico moldado no acúmulo de capital, passando a dar mais ênfase a questão social e do bem comum. É a substituição do capital financeiro pelo capital social.

A descentralização também é uma das características da governança, que sugere uma maior participação dos poderes locais, ou seja, um planejamento estratégico global para aplicabilidade localizada, surgindo assim o papel da organizações-não-governamentais (ONGs) como forma de consolidar o novo sistema.

Embora tenha havido alguns avanços na implantação do novo modelo, no Brasil ainda há algumas resistências por conta de um déficit histórico de organização e participação – resquício de 40 anos de um regime militar -, imperando o ceticismo e a inércia quando se fala em ações para melhorar as condições gerais de vida da coletividade. As poucas mudanças têm sido inócuas se comparadas com o ritmo da devastação ambiental. Insuficientes, os programas implementados por algumas ONGs são parciais e superficiais, faltando continuidade, amplitude e consistência.

Um ponto importante da governança é a consistência das normas jurídicas e sua eficácia. O Brasil têm uma das legislações mais avançadas do mundo, estando inclusive elencada em sua “lei maior”, a Constituição Federal, mas, no entanto, falta a efetividade e aplicabilidade das mesmas.

O processo de participação da comunidade, importante para a implantação da governança, fortaleceu nos últimos anos com o aumento quantitativo de conselhos em diversas áreas, mas a eficácia dos mesmos é duvidosa por terem sua capacidade deliberativa relativa e por serem manipuladas pelas forças políticas da situação e da oposição, além da resistência de uma democracia patrimonialista e fisiologista, competindo com as prioridades sociais e econômicas, a consciência civil e preservacionista da população ainda é embrionária.

O clientelismo e a política dificultam a eficácia da aplicação das leis ambientais no Brasil tornando insuficientes os mecanismos institucionais de comando e controle da legislação existente. A carência de infra-estrutura, o congestionamento dos grandes centros urbanos também são barreiras a serem transpostas.

A governança deve sair de uma posição de militância pelo poder defensivo para um modelo mais ativo através de um mecanismo de desenvolvimento sustentável. CAMARGO1 sita a Comissão de Brundtland, em 1987, como iniciador de um acordo entre países ricos e em desenvolvimento visando o desenvolvimento sustentável que foi consagrado pela Agenda 21 na Conferência do Rio, permitindo-se a concepção de uma articulação efetiva dentro de uma dimensão econômica, social e ambiental.

Na Conferência do Rio ficou evidenciada a carência de um mecanismo de governança para um efetivo desenvolvimento sustentável. A política de um pós regime militar, em um período de transição do processo democrático favorecendo um fisiologismo e comprometendo a adoção de políticas integradas são fatores limitantes para uma política ambiental eficaz.

O PIB – Produto Interno Bruto ainda não leva em conta os prejuízos que a economia impõe ao meio ambiente. Essas perdas de recursos naturais são denominadas de deseconomia que é a falta de percepção das perdas obtidas dos resultados da implementação da economia e seus fatores produtivos a longo prazo sobre o meio ambiente. Para evitar essas perdas CAMARGO sugere políticas tributárias mais agressivas contra atividades depredadoras do meio ambiente.

A ciência ambiental é holística pela interdependência de fatores e atores em seu contexto, provoca reações em cadeia é de difícil compreensão por estar intimamente ligada a disciplinas duras como a física, a química, a biologia, a engenharia e etc. dificultando a propagação de novas concepções organizacionais da interação entre meio ambiente e sociedade. Essa dificuldade atinge profissionais e veículos de comunicação o que consequentemente acaba refletindo na agilidade para implementação de uma nova concepção e consciência da população.

A consciência ambiental surge ainda no século XX iniciada através de várias mobilizações sociais, em particular, o movimento ecológico surge no final da década de 60 entrelaçado por movimentos alternativos de importância e até os dias atuais mantém um estreito relacionamento. Todos estes movimentos têm em comum a contestação do modelo de capitalismo industrial, da irresponsabilidade social, da indiferença das maiorias e o descaso dos governos. Vivendo em um momento híbridos onde velhos modelos de práticas econômicas e sociais ainda têm que conviver com novos valores e comportamentos.

(1) CAMARGO, Ana Luiza de Brasil. Desenvolvimento sustentável - dimensões e desafios. São Paulo, p. 43-63, Papirus Editora, 2003.